Gabriel Zucman: quem é o ‘guru tributário’ recrutado por Haddad para defender taxação global de super-ricos no G20

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já deixou claro que o Brasil quer que os bilionários paguem mais na luta global contra a pobreza. Para vender a ideia, recrutou um economista francês famoso por descobrir onde os ultra-ricos do mundo escondem o seu dinheiro.

A convite do ministro, Gabriel Zucman, professor assistente da Universidade da California Berkeley, fez ontem uma enfática defesa da proposta de Haddad de um imposto mínimo sobre a riqueza global aos chefes financeiros dos países do G20 (que congrega as maiores economias do mundo) reunidos em São Paulo nesta semana.

A apresentação dele faz parte da campanha do Brasil para garantir que o evento não seja prejudicado por argumentos sobre a guerra e a política das grandes potências — e que também faça progressos na abordagem de problemas como a desigualdade e as alterações climáticas.

Zucman, que é diretor do European Tax Observatory, reforçou a ideia de que o imposto incida sobre a fortuna acumulada dos bilionários e não sobre os ganhos.

A estimativa do economista é que a taxação mínima poderia gerar US$ 250 bilhões em receitas, em uma taxação que atingiria cerca de 3 mil pessoas. Ele ponderou, no entanto, que o valor exato da taxa depende “discussão internacional” e que esse é apenas “o início da conversa”.

— Há um reconhecimento crescente de que os sistemas fiscais não conseguem tributar adequadamente os super-ricos — disse Zucman, que ajudou a senadora americana Elizabeth Warren a desenvolver um plano de imposto sobre a riqueza para sua campanha presidencial nos EUA em 2020.

Ele continuou, numa entrevista após sua apresentação no G20:

— Há também um reconhecimento crescente de que provavelmente a melhor forma de resolver esta situação é através da coordenação internacional.

O ministro Fernando Haddad fez coro, na reunião. Afirmou que fazer com que os bilionários paguem a sua parte é necessário para “a construção de um mundo mais justo”.

Influência crescente aos 37 anos

O economista de 37 anos tem se mostrado uma influência crescente no debate econômico sobre desigualdades sociais no mundo.

Ele descreve seu plano como uma espécie de “complemento” ao imposto sobre o rendimento: uma taxa que mede o total de ativos, dado que grande parte da renda dos multimilionários provém de fontes não tributáveis.

— A noção é que a renda não está bem definida para os super-ricos, mas a riqueza está — disse Zucman.

‘Completamente utópico’

Um protegido de Thomas Piketty, Zucman ganhou elogios por revelar trilhões de dólares armazenados em contas offshore e usar conjuntos de dados exclusivos, como os “Panama Papers” vazados.

Sua apresentação de ontem no G20 foi baseada em um imposto mínimo global de 2% sobre os bilionários. De acordo com seu think tank, o EU Tax Observatory, essa taxa poderia arrecadar cerca de 250 bilhões de dólares por ano em todo o mundo. Zucman reconhece que a proposta não é fácil e diz que o objetivo é “iniciar a conversa” sobre um processo que pode levar anos para ser implementado.

Ainda assim, ele está esperançoso e apontou algumas vitórias fiscais do G-20 nos últimos anos. O grupo concordou em combater o sigilo bancário, com partilha automática de informações de contas entre instituições financeiras e autoridades fiscais. Em 2021, endossou uma taxa mínima global de imposto sobre as sociedades de 15%, que já foi assinada por mais de 140 países.

— Foi considerada uma ideia completamente utópica — disse Zucman. — E agora está acontecendo.

Ideia ganha adeptos, mas não sai do papel

Os apelos para que os mais ricos do mundo contribuam com uma parcela maior dos seus rendimentos têm crescido cada vez mais desde a crise financeira de 2008, que se seguiu a décadas em que muitos países viram a desigualdade de renda e de riqueza aumentar.

Mas tem sido difícil converter o apoio popular em mudanças políticas. Nos EUA, por exemplo, candidatos democratas como Warren e o senador Bernie Sanders, que apoiaram as ideias de Zucman, foram derrotados – e o presidente Joe Biden não conseguiu aprovar os seus planos mais modestos para impostos de renda mais elevados no Congresso.

Apenas o começo

É um desafio ainda maior fazê-lo globalmente. O G-20 tem desenvolvido planos para novas regras globais em matéria de tributação de corporações, mas o progresso tem sido lento. Guilherme Mello, secretário de política econômica do Ministério da Fazenda do Brasil, reconhece que esta semana é apenas o começo.

— Esperamos construir um consenso em torno da necessidade de iniciar uma agenda — sobre a tributação dos super-ricos, disse ele numa entrevista.

A participação de Zucman faz parte do esforço para dar continuidade ao debate, e suas ideias específicas não têm necessariamente o apoio do Brasil, disse Mello.

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está pedindo impostos mais rígidos sobre os que ganham mais para reduzir déficits orçamentários e financiar programas sociais que ajudem a diminuir a enorme disparidade de riqueza do país. Os legisladores aprovaram no ano passado novas taxas sobre fundos offshore.

Zucman, além de representantes da ONU e da OCDE, participou mais cedo de reunião com autoridades do G20 para apresentar o modelo de tributação de super-ricos, defendido pelo governo brasileiro durante a presidência do grupo de países.

Autor de autor do livro “The Triumph of Injustice” (“O triunfo da Injustiça”, em português), sobre o tema, ele explicou que mantém conversas com o governo brasileiro sobre o tema “há cerca de um ano”.

Mais cedo, na abertura das reuniões de hoje, Haddad pediu cooperação da ONU e OCDE para endereçar o tema e afirmou que pretende construir até junho uma declaração conjunta do G20 sobre a tributação internacional. A proposta não deve aparecer no comunicado a ser divulgado nesta quinta-feira.

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