Investigação federal apontava envolvimento de grileiros, e não de brigadistas, no incêndio em Alter do Chão

Alter do Chão pegando fogo

Ministério Público Federal pediu acesso integral ao inquérito que levou à prisão de quatro brigadistas pelo fogo em área de proteção no Pará. Polícia Civil diz que grupo ateou fogo na mata para conseguir recursos para a Brigada. ONGs citadas negam irregularidades.

O Ministério Público Federal (MPF) em Santarém (PA) informou, nesta quarta-feira (27), que desde setembro investiga as causas de incêndios na região de Alter do Chão e “que nenhum elemento apontava para participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil”. O órgão também disse que enviou um ofício à Polícia Civil do Pará pedindo acesso ao inquérito que acusa brigadistas. Na última terça (26), quatro voluntários foram presos preventivamente.

“Ao contrário, a linha das investigações federais, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter”, afirmou o MPF em nota.

Os promotores afirmam ainda que, por se tratar de um dos balneários mais famosos do país, a região é objeto de cobiça das indústrias turística e imobiliária e sofre pressão de invasores de terras públicas.

A Polícia Civil diz que brigadistas atearam fogo na floresta para obter doações. A defesa dos suspeitos nega e diz que escutas telefônicas não comprovam as acusações. ONGs citadas na investigação também refutam acusações do delegado que cuida do caso.

Veja abaixo o que se sabe sobre a investigação e o posicionamento dos envolvidos:

Origem da suspeita – doações e vídeo

O delegado de Polícia Civil do Interior, José Humberto Melo Jr, disse que suspeitas surgiram depois que ONGs sediadas em Santarém receberam doações por causa das queimadas. Na sequência dessa suspeita inicial, o delegado diz ter localizado um vídeo que mostra os brigadistas colocando fogo em um ponto da floresta. Com base nestas imagens, a polícia pediu a quebra de sigilo telefônico de quatro voluntários.

“Esse vídeo foi divulgado no YouTube e apagado logo em seguida. Ali não teria como começar um incêndio se não fosse por eles. Começou dali toda nossa investigação”, comentou o delegado José Humberto Jr.

O vídeo não foi divulgado pela Polícia Civil.

O Instituto Aquífero, que é responsável pela Brigada de Alter, diz não ter tido acesso ao vídeo citado, mas aponta uma hipótese para seu provável conteúdo: ele pode ser o registro de uma atividade de treinamento de brigadistas, inclusive usando a tática conhecida como “fogo contra fogo”.

Investigação – movimentação financeira

Citando as doações e o vídeo, a polícia pediu a quebra de sigilo telefônico dos quatro presos e diz que passou a acompanhar a movimentação financeira das ONGs. Um dos detidos é funcionário da ONG Saúde e Alegria e também atuava como voluntário na Brigada, que é uma iniciativa do Instituto Aquífero.

“Conseguiram logo após esse incêndio um contrato com a WWF, inclusive eles venderam 40 imagens para a WWF ao custo de R$ 70 mil para uso exclusivo. E com essas imagens a WWF conseguiu financiamentos, inclusive doações a título de exemplo, dor ato Leonardo DiCaprio que doou 500 mil dólares para a WWF auxiliar essas ONGs no combate às queimadas na Amazônia.”

Em nota, o WWF nega que tenha comprado imagens do grupo. A ONG diz que apoiou com equipamentos e afirma que o “fornecimento de fotos por qualquer parceiro da organização é inerente à comprovação das ações realizadas, essencial à prestação de contas dos recursos recebidos e sua destinação no âmbito dos Contratos de Parceria Técnico-Financeira”.

O WWF diz que não recebeu qualquer doação do ator Leonardo DiCaprio, como diz o delegado.

Investigação – quebra do sigilo telefônico

A Polícia Civil divulgou 11 arquivos de áudio das interceptações telefônicas. Durante coletiva na terça-feira (26), o delegado ressaltou detalhes de uma conversa na qual um dos brigadistas fala sobre o fogo. Na visão da polícia, a conversa é uma das “provas robustas” que levaram a Justiça a permitir a prisão preventiva.

A defesa dos suspeitos diz que a análise é uma conjectura. “Não vi nada que incriminasse os brigadistas. Só conjecturas”, disse o advogado José Ronaldo Dias Campos. Ele defende Gustavo de Almeida Fernandes, brigadista detido. “Estamos trabalhando para revogar a insubsistente prisão preventiva dos brigadistas, que acreditamos injusta.”

Em nota, o Instituto Aquífero diz que “os trechos de áudio de um brigadista voluntário que foram vazados para a imprensa estão sendo disseminados sem a devida contextualização”.

Trecho lido pelo delegado na coletiva:

GUSTAVO (Gustavo de Almeida Fernandes, brigadista): Então. Se você tiver um tempinho a gente pode conversar, eu tô por trás de tudo, né. Eu sou da brigada de Alter e a gente é do Instituo Aquífero Alter do Chão que incubou a brigada, né, um ano e meio atrás e estamos recebendo apoio de todo mundo… WWF tá esperando uma resposta para segunda-feira de um contrato de 70 mil em equipamento pra brigada. A vaquinha deu 100 mil, da galera, uma vaquinha nossa, sem aplicativo…

CECÍLIA (interlocutor não apresentado pela polícia): Ah! Que coisa, heim?

GUSTAVO: É. Tá maravilho! Tá maravilhoso.

CECÍLIA: Que bom.

GUSTAVO: Tá triste, né. Foi triste, a galera está num momento pós-traumático, mas tudo bem.

CECÍLIA: Mas já controlou?

GUSTAVO: Tá extinto, é.

CECÍLIA: É. Que bom.

GUSTAVO: Mas quando vocês chegarem vai ter bastante fogo, se preparem. Nas rotas, nas rotas inclusive.

CECÍLIA: É mesmo?

GUSTAVO: Vai. O horizonte vai estar todo embaçado.

CECÍLIA: Puta merda!

GUSTAVO: Mas… normal, né?

CECÍLIA: Não começou a chover, ainda? Porque em Manaus…

GUSTAVO: É. Vai começar a chover em dezembro pra janeiro. Se vocês tiverem sorte chove um pouco antes ou depois que vocês ir embora.

CECÍLIA: (risos)

Quais as ONGs citadas pela investigação?

A Polícia Civil cita as ONGs Instituto Aquífero Alter do Chão e a Saúde e Alegria. A polícia afirma que a Saúde e Alegria, que atua há mais de 30 anos no Pará, “emprestou” o CNPJ para o recebimento de doações.

“A Saúde e Alegria tem o CNPJ, só que o instituto Aquífero não tinha CNPJ. Então eles recebiam pela Saúde e Alegria”, disse o delegado José Humberto Melo Jr.

Em Brasília, o diretor da ONG Saúde e Alegria, Caetano Scannavino, negou que a entidade tenha emprestado seus documentos ou dados para o repasse de dinheiro para o Instituto Aquífero. Ele reafirmou ter parcerias na formação de brigadistas e ter apoiado as iniciativas da brigada criada em 2018.

Entre as acusações de mau uso do dinheiro, a Polícia Civil citou que o Instituto recebia doações e fazia a “autocontratação” dos brigadistas, fazendo o dinheiro circular somente dentro do grupo. O Instituto Aquífero nega irregularidades e esclarece que o corpo de voluntários é uma iniciativa da própria ONG. “Sendo uma ação mantida pelo próprio Instituto Aquífero, é equivocada a informação de que a Brigada tenha recebido doações da organização.”

Quais documentos foram apreendidos?

A Polícia Civil não deu detalhes sobre as apreensões. Foram levados papeis e computadores. A ONG Saúde e Alegria criticou as apreensões.

“Não sabemos até agora do que a gente está sendo acusado, porque foram até o nosso escritório sem decisão judicial, com um mandado genérico, para apreender tudo. Do que a gente está sendo acusado? Não tivemos nem acesso ao inquérito”, disse Caetano Scannavino.

Qual a suspeita sobre a prestação de contas?

A Polícia Civil diz ter suspeitas de que os detidos estivessem desviando recursos. O delegado afirma que o grupo recebeu cerca de R$ 300 mil em doações (em dinheiro ou equipamentos), mas só declarou R$ 100 mil.

“Existe uma suspeita muito contundente de que estavam falsificando algumas documentações. De que forma, eles recebiam determinado valor alto e declaravam outro valor muito mais baixo. Isso aí está sendo outra linha de investigação. Representamos por outras medidas cautelares no sentido de comprovar essa movimentação financeira irregular que eles estavam querendo fazer aqui para a ONG.”

O delegado não deu detalhes sobre qual o período das doações estava se referindo.

O Instituto Aquífero nega irregularidades. Esclarece que já fez a “devida declaração” das doações no fim de setembro e que doações recebidas depois daquele mês estão sendo consolidadas. Sobre o recurso do WWF, a prestação vai ocorrer para a ONG até o prazo previsto no acordo, no dia 10 de dezembro.

“É importante ressaltar que os documentos contábeis da organização estão atualizados e em dia, não havendo discrepâncias nos valores recebidos – valores estes que incluem doações de outras organizações não governamentais e de um elevado número de pessoas físicas, tanto do Brasil quanto do exterior. Quaisquer discrepâncias alegadas são justificadas – e serão dirimidas a seu tempo – pelo cronograma de apresentação dos relatórios de prestação de contas, ainda em andamento”, afirmou o Instituto Aquífero em nota.

O que diz a Justiça?

O G1 teve acesso ao requerimento de prisão preventiva concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará. No documento, o juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara Criminal de Santarém, pede a prisão preventiva dos quatro suspeitos pelo cometimento, em tese, de crime contra a flora e associação criminosa.

No texto, eles são apontados como “envolvidos diretamente nos incêndios ocorridos dentro da APA de Alter do Chão a fim de auferir vantagens financeiras por meio de doações e contrato firmado com a ONG WWF”. O juiz destaca ainda que, para a prisão preventiva, bastam “indícios acerca da autoria e a prova da materialidade delitiva”. No mesmo requerimento, Rizzi autoriza mandados de busca e apreensão na casa dos quatro suspeitos presos e na sede das ONGs citadas.

Não fica claro, no entanto, se foram usadas pelo juiz outras provas além dos áudios obtidos por meio de grampo telefônico dos acusados. O documento cita movimentações financeiras das ONGs suspeitas, mas não demonstra como elas estão envolvidas com os supostos incêndios criminosos.

Também não há menção à quebra de sigilo fiscal dos acusados e das ONGs envolvidas, apesar da correlação feita entre os supostos incêndios provocados e as doações feitas pela ONG WWF.

O principal argumento usado pelo juiz é que, em um dos áudios, há indícios de que os acusados sabiam onde e quando haveria incêndios florestais na região. Para justificar o pedido de prisão, Rizzi afirma que os grampos telefônicos revelaram “conversas onde deixam transparecer estranha previsibilidade de queimadas por parte dos líderes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão”.

No trecho da ligação em que um dos suspeitos fala que “haverá bastante fogo, inclusive nas rotas por onde passarem”, o juiz afirma que fica “bem evidente que naquela ocasião [o acusado] estava se referindo a queimadas orquestradas”.

Nesta quarta-feira (27), o mesmo juiz decidiu manter a prisão preventiva dos quatro brigadistas. Na audiência de custódia, Alexandre Rizzi diz que tomou a decisão “para garantia da ordem pública” porque, segundo ele, haveria risco de que os acusados cometessem novos crimes.

Na decisão, o juiz reafirma as suspeitas levantadas por movimentações financeiras das ONGs e também cita os diálogos interceptados para justificar a manutenção da prisão.

“As conversas interceptadas denotam que novos incêndios estavam previstos com alto grau de certeza”, disse o juiz Alexandre Rizzi na deliberação.

Em relação às movimentações financeiras, o juiz disse que as organizações onde os suspeitos atuam “receberam vultuosas quantias em doações para fins de colaboração no combate a incêndios”, mas que haveria “indícios que parte do referidos recursos não foram/eram aplicados conforme o fim que se destina”.

O juiz afirmou ainda que os recursos eram angariados “mediante suposta atuação fraudulenta dos envolvidos, que provocavam as situações que queima para autopromoção e chamar a atenção da sociedade”.

Fonte: G1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *