Por que São Paulo para quando chove – e como resolver isso

Quem vive em São Paulo sabe bem o que esperar quando a previsão do dia indica chuva. Além de preparar o guarda-chuva, o paulistano já sabe que precisará de paciência.

Uma das principais marcas registradas da cidade, o trânsito já tende a piorar nesses dias – afinal, mais pessoas acabam optando pelos carros na hora de ir trabalhar.

Mas o maior problema não está aí. A combinação entre um semáforo apagado, uma árvore caída e uma via alagada podem ser suficientes para tornar a situação realmente caótica.

“As políticas públicas direcionadas ao urbanismo deveriam ser prioridade tanto quanto a saúde e a educação. O planejamento urbano tem um peso fundamental para que todo o resto consiga funcionar”, diz Enio Moro Júnior, coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Belas Artes.

Inundações

As enchentes e inundações na cidade não são um problema novo – e, se formos parar para pensar, são mais antigos até mesmo do que o trânsito.

Antes de ser urbanizada, a área onde a cidade se encontra já era tomada por enchentes periódicas. As regiões dos rios Pinheiros e Tietê são um bom exemplo disso.

“O problema é que o projeto de São Paulo partiu do pressuposto de que se podia alterar totalmente a relação da cidade com as águas”, explica Paulo Pellegrino, docente do curso de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo ele, os projetos de canalização foram irresponsáveis ao deixar todos os rios e córregos ao redor das principais vias. Além de ocupadas, as margens de cheia se transformaram em áreas de solo impermeável – o que impede a absorção das águas e colabora para que elas invadam as ocupações urbanas ao redor.

“É necessário adotar um conjunto de ações que recuperem os processos naturais perdidos até agora”, defende o professor.

Uma dessas ações seria a implantação de biovaletas, dispositivos que, diferentemente das valetas comuns, possibilitam que a água seja tratada e filtrada enquanto é conduzida até os córregos.

Outras soluções, como a recuperação de mata ciliar e a instalação de tetos e paredes verdes, também colaboram para a absorção da água da chuva. Na prática, essas medidas resultam em menos água sem destino na superfície.

A principal solução aplicada até agora pela prefeitura é a construção dos chamados piscinões. Eles servem basicamente para acumular a água das chuvas a fim de evitar o transbordamento dos córregos. Segundo a Secretaria de Obras do município, atualmente a cidade conta com 22 dessas estruturas. Contando com obras menores que também atuam como piscinões, o total sobe para 27.

Até o final do mandato do prefeito João Doria, a prefeitura pretende concluir a construção de mais 20 piscinões e cinco obras de canalização, três na Zona Sul e duas na Zona Leste, com o objetivo de conter as enchentes.

Para os especialistas, essas soluções não são suficientes. “São Paulo passou por uma falta de planejamento no passado e, em vez de corrigir, estão sendo tomadas decisões erradas em cima desses erros”, afirma Moro Júnior.

Ele explica que a adoção de piscinões seria mais aceitável se eles fossem subterrâneos – o que possibilitaria, por exemplo, a construção de praças e espaços ao ar livre na superfície. A céu aberto, na opinião dele, os piscinões acabam configurando um desperdício de área. Além disso, a adoção de pequenas piscinas, distribuídas pelos bairros, poderia ser mais eficiente do que a construção das versões maiores.

“O problema dos piscinões é que, quando estão secos, acabam virando depósito de lixo”, explica professor de Engenharia Civil da FEI Creso Peixoto.

Segundo a Secretaria Municipal das Prefeituras Regionais, a manutenção é realizada periodicamente ou “quando constatada necessidade” – incluindo uma maior frequência durante a época da chuva.

Nesse aspecto, Moro Júnior sugere a ampliação das galerias subterrâneas como reservatórios de água. No entanto, segundo o professor de Engenharia Civil da FEI Creso Peixoto, muitas das galerias existentes em São Paulo possuem estruturas antigas e precárias, o que pode encarecer esse tipo de investimento.

No caso de rios como o Tietê, outra medida adotada – nesse caso pelo governo estadual – é a instalação dos chamados pôlderes, que consistem em sistemas de contenção e bombeamento de água localizados ao longo da marginal. Quando o rio enche, esses dispositivos impedem que a água suba demais ao ponto de transbordar. Hoje, o rio Tietê conta com seis sistemas desse tipo.

Segundo Peixoto, a instalação desses dispositivos em mais áreas de risco de alagamento seria uma medida importante para complementar o sistema. Além da adoção em grandes canais, como o rio Pinheiros e o Tamanduateí, também poderiam ser construídas estruturas de menor porte em regiões onde for constatado o risco de inundação.

Uma solução mais extrema e eficiente, segundo ele, seria o fechamento das vias de acordo com o risco de chuvas fortes e de inundações.

“Os trechos mais propensos a alagamentos são conhecidos e mapeados e já existem sistemas que podem prever a passagem de chuvas fortes”, explica o professor. “Se aplicado, o tempo que as pessoas levarão para chegar em casa vai aumentar. Mas, em compensação, o risco de entrar água no carro é muito menor”.

Além de todas as alternativas, o professor é enfático: a melhor solução ainda seria investir mais no transporte público e reduzir o número de veículos privados nas ruas da cidade todos os dias.

Árvores e energia elétrica

Junto com as águas, as chuvas fortes também trazem ventos, que, por sua vez, elevam o risco de quedas de árvores. Segundo dados da Secretaria de Prefeituras Regionais, em 2016, cerca de 3.405 árvores caíram na cidade.

“Muitas árvores foram plantadas historicamente e, apesar de bonitas, não são adequadas para a área urbana”, afirma Moro Júnior. Ele explica que raízes com pouca profundidade e problemas como cupins e fungos são as principais explicações para quedas.

Além de representarem um perigo aos pedestres e aos motoristas que passam pelo local, as árvores muitas vezes atingem postes e fiações elétricas, o que pode interromper a iluminação da região.

“A maior partes das ocorrências recebidas em dias de chuva está relacionada a desligamentos causados por galhos que esbarram na rede”, afirma Maria Tereza Vellano, diretora de Planejamento, Engenharia e Obras da Distribuição da Eletropaulo. Segundo ela, existem cerca de 1 milhão de árvores na capital e em outros 23 municípios da região metropolitana de São Paulo.

Para contornar o problema, a diretora explica que a concessionária adota  medidas como a substituição das redes por modelos mais resistentes e ampliação do programa de podas.

Segundo os especialistas, o cuidado com as árvores não seria a única solução para evitar as quedas de fiações elétricas.

“O fato de São Paulo ainda ter fiações aéreas é um absurdo. Enquanto houver insistência nesse sistema, continuaremos tendo quedas de energia e problemas como faróis desligados”, diz Moro Júnior.

A discussão sobre o enterramento dos fios na cidade não é nova. Segundo Vellano, a questão tem sido discutida “com cautela” com a prefeitura. “É um plano que envolve questões regulatórias e que não é feito de uma hora para outra”, explica.

Por ora, a cidade conta com 2.500 quilômetros de rede de fios subterrâneos – enquanto outros 22 mil quilômetros ainda são aéreos.

Os problemas relacionados à chuva não são mero inconveniente. Segundo dados da Defesa Civil, no último verão, entre dezembro de 2016 e março de 2017, a região da Grande São Paulo registrou 19 mortes atribuídas a enchentes, deslizamentos, raios e desabamentos, entre outros fatores . Nos últimos dez anos, foram 352 mortes.

“Problemas como as inundações geram um custo muito grande para população. Não só como uma questão de dinheiro, mas inclusive de saúde”, destaca Pellegrino.

Com o fim do verão, os governos estadual e municipal terão pouco tempo para preparar a cidade para a temporada das chuvas (e consequentes alagamentos). Por isso, é bom correr já.

Fonte: Exame

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *